Archive for the ‘Histórias de metrologia’ Category

O pitoresco selo do Bureau Internacional de Pesos e Medidas

1 de dezembro de 2017

O BIPM – Bureau International de Poids et Mesures (Escritório Internacional de Pesos e Medidas) é uma organização internacional estabelecida pela Convenção do Metro em 1875 e situada no histórico Pavillon de Breteuil, na cidade francesa de Sèvres. Os estados membros do BIPM, o Brasil inclusive, atuam em conjunto sobre matérias relacionadas às medições científicas e padrões de medição nas áreas da descoberta científica, inovação, produção industrial e comércio internacional, visando a melhoria da qualidade de vida das pessoas e a sustentabilidade do ambiente global. Veja tudo sobre essa importantíssima organização metrológica no site do BIPM (apenas em inglês e francês). Na verdade, quase tudo. Abaixo fazemos algumas especulações sobre o significado do pitoresco “selo do BIPM”, que não se encontra no seu site.

Ao observar o selo vê-se, imediatamente, três figuras vestidas à moda dos antigos gregos. A figura feminina central é sem dúvida Urânia (Ουρανία) “a celestial”, uma das noves musas, conforme indicam o globo terrestre e o compasso ao seu lado. É a musa da astronomia, da matemática e das medições. Ela segura o padrão do metro, dividido em dez partes, acima da cabeça. O padrão é arrematado, em ambas as pontas, por folhas de louro, símbolo da vitória e da prosperidade.

Urânia, estátua do Observatório Astronômico da UFRGS

A figura à esquerda é obviamente Hermes (Ἑρμής), conhecido como Mercúrio entre os romanos, mensageiro do Olimpo, condutor de rebanhos e de almas. Na mão direita segura o caduceu, bastão onde se enroscam duas serpentes, e na cabeça traz o pétaso alado (o pétaso era um chapéu usado pelos viajantes na Grécia antiga). Hermes representa, ainda hoje, as atividades comerciais, pois o deus também é protetor dos comerciantes. Senta-se sobre um mapa-múndi, sua mão esquerda repousa sobre a França e o dedo indicador parece apontar Paris.

Mercurio, de Giambologna, no Museo Nazionale del Bargello, Firenze

Quanto à figura feminina sentada à direita, é possível distinguir claramente ao seu lado a bigorna, o malho e a roda dentada, que a caracterizam como uma alegoria da indústria. Na dobra da sua perna esquerda, cruzada sobre a direita, repousa o que parece ser um feixe de rocas de fiar. Veja, abaixo, uma representação mais precisa da roca no belo quadro do pintor francês William-Adolphe Bouguereau.

La Fileuse (a fiandeira) – 1873

A personagem representada no selo do BIPM poderia muito bem ser Atena (Αθηνά), a belicosa deusa da civilização, da sabedoria e da justiça, e a quem se atribuía, entre muitas outras coisas, a tecelagem e as artes da indústria (tecné), embora os conhecidos signos de Atena (a coruja, as armas, a égide) não estejam presentes.

Atena, estátua na entrada da Academia de Atenas, Grécia.

Já o mote “ΜΕΤΡΩ ΧΡΩ” (pronuncia-se metro cro) é atribuído a Pítaco de Mitilene, um general grego que viveu entre 640 a 568 a.C. Pode-se traduzir μετρω χρω como “use a medida”. O termo  μετρω (metro) traduz-se por “contar, medir”, enquanto a tradução de χρω (cro) pode significar, como em χρωστώ (pronuncia-se crostó), “eu devo”. Então, numa tradução livre, o lema do BIPM pode ser entendido como  “Devo medir” ou “Deve-se medir”!

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Hibernar e sobreviver…

21 de março de 2013

bearhibern

Nas regiões frias do planeta a hibernação é um recurso a que alguns animais endotérmicos recorrem para sobreviver.

Endotermia, para quem não se lembra, é a capacidade de manter a temperatura corporal relativamente constante. As aves e os mamíferos são endotérmicos, mas apenas alguns mamíferos e uma única ave conseguem hibernar.

O estado de letargia causado pela hibernação protege os animais do frio e da escassez de alimentos durante o rigor do inverno, pois  as suas funções vitais são reduzidas ao mínimo.

estivação é algo parecido, só que costuma ocorrer com animais que habitam regiões onde a estação quente e seca (o estio) provoca a escassez de água e de alimentos, além de altas temperaturas. Caracóis e até alguns peixes adotam a estratégia da estivação para sobreviver. Escondem-se em lugares úmidos e entram no estado letárgico até o fim da estiagem.

Para resumir: Hibernação ou estivação são estratégias a que alguns animais recorrem quando o rigor do clima ameaça a sua sobrevivência. Eles se recolhem e ficam inativos até o clima melhorar.

E onde entra a metrologia? Ora, a metrologia está, justamente, dentro desses animais, cujo relógio biológico parece ter sido calibrado em laboratório. De fato, o tempo nada mais é que a percepção (e o registro, no nosso caso) das durações e dos ciclos.  Experimentamos durações, ciclos e ritmos em nossos próprios corpos e, assim como os animais que hibernam, podemos nos sintonizar com os ritmos da natureza. É uma questão de sobrevivência!

Aliás, foi mais ou menos isso o que aconteceu com o Almanaque no ano de 2012. Hibernou para sobreviver… Agora, entretanto, o tempo bom retornou, e o Almanaque pode voltar à ativa. Então, mãos à obra!

Calendas

27 de dezembro de 2011

Já falamos muitas vezes aqui no Almanaque sobre o tempo cronológico e as várias concepções que dele temos, intuitivas ou não.

Pensar o tempo é sempre fascinante, sobretudo quando nos aproximamos desses marcos com que a ciência ou a cultura assinalam as diferentes maneiras de interpretá-lo.  É assim com o primeiro dia de cada ano. Para os astrônomos trata-se do início de mais um período de translação da Terra em torno do Sol. Para as muitas concepções culturais, míticas, religiosas, trata-se do início de um novo ciclo de vida, de transformação, de renovação, de mudança… E para todo mundo é hora de trocar o calendário.

A palavra calendário vem do latim “calendas”, nome dado pelos antigos romanos ao primeiro dia de cada mês. Não vamos reproduzir aqui a longa e tortuosa história do calendário, mas propomos que você investigue como, a partir dos calendários pré-julianos da antiga Roma, chegamos ao calendário gregoriano utilizado pela maioria dos países e o quanto isso influenciou a nossa maneira de pensar a medição do tempo.

Entretanto, mesmo que o assunto não lhe interesse, você dificilmente se esquivará de comemorar o “reveillon” com algum tipo de ritual, por singelo que seja. Afinal, reveillon vem do verbo francês reveiller, que significa despertar… Então, seguindo a tradição e os costumes, nós aqui do Almanaque desejamos a você e a todo mundo um excelente despertar para o novo ano!

As medições de Arquimedes

5 de dezembro de 2011

Arquimedes foi um filósofo grego que viveu em Siracusa, sua cidade natal, de 287 a 212 A.C. Naquele tempo os filósofos estudavam todas as facetas do conhecimento, de modo que hoje nós diríamos que Arquimedes era também matemático, físico, engenheiro, inventor e astrônomo, ou seja, um cientista completo. De fato, Arquimedes foi um dos maiores gênios da antiguidade e de todos os tempos, e foi responsável por uma série de descobertas e inventos fascinantes.

Mas porque será que estamos falando de Arquimedes aqui no blog? Ora, porque o sábio grego foi também um grande metrologista, e inventou maneiras muito criativas de medir coisas complicadas. A mais conhecida das suas proezas é relatada na anedota da coroa de ouro:

O rei Hierão II de Siracusa mandou fazer uma coroa toda de ouro e, para isso, forneceu o metal a um ourives. Ele deveria utilizar todo o ouro. Pronta a coroa, o rei começou a desconfiar da honestidade do artesão, pois ouviu boatos de que o ourives substituíra parte do ouro por prata. Foi então que o rei encarregou Arquimedes de descobrir se a coroa tinha mesmo prata na sua composição. Porém, ele não poderia destruir a coroa.

Diz a anedota que Arquimedes estava imerso numa banheira quando percebeu que o volume de água deslocado era proporcional ao volume do seu corpo, e que isso poderia ser usado para resolver o problema da coroa. Entusiasmado, Arquimedes teria saído nu pelas ruas gritando “eureca!” que significa “descobri!”.

O que Arquimedes fez foi o seguinte. Ele sabia que para objetos de mesmo volume feitos de ouro ou de prata, o objeto de ouro pesa mais. Isso porque a densidade do ouro é maior que a da prata. Densidade de um corpo é a relação entre a sua massa (peso) e o seu volume, dada pela fórmula d=m/v. Arquimedes mergulhou a coroa do rei na água e mediu o volume deslocado. Percebeu, então, que se a coroa fosse toda de ouro ela teria um volume menor para o seu peso e que, portanto, havia prata na sua composição.

Verdade ou não, o fato é que atribuímos a Arquimedes o método de obtenção da densidade dos corpos pelo deslocamento de líquido.

Especula-se que Arquimedes poderia ter utilizado um método mais preciso usando justamente o seu famoso Princípio de Arquimedes. Esse princípio da hidrostática afirma que um corpo imerso em um fluido sofre uma força de empuxo igual ao peso do fluido que ele desloca. Mas essa é uma outra história.

Liberdade de Pensamento e Queda da Bastilha

14 de julho de 2011

No dia 14 de julho é comemorado em todo o mundo o Dia da Liberdade de Pensamento. A primeira vez em que foram definidos a liberdade e os direitos fundamentais do Homem foi por meio da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada pela Assembléia Nacional Constituinte da França em 26 de agosto de 1789. Tudo começou com a  Queda da Bastilha, que marcou o início da Revolução Francesa, em 14 de julho do mesmo ano.

Não por acaso, também em 1789 o Governo Republicano Francês encomendou à Academia de Ciência da França um sistema de medidas baseado numa “constante natural”, em substituição às unidades arbitrárias como a polegada ou o pé, por exemplo. A liberdade de pensamento, entendida aqui como a luta contra toda arbitrariedade, extendeu-se até às ciências. Assim foi criado o Sistema Métrico Decimal, constituído inicialmente de três unidades básicas: o metro, que deu nome ao sistema, o litro e o quilograma.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão serviu de base para as constituições republicanas de outros países e para Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 10 de dezembro de 1948! E o Sistema Métrico Decimal deu origem ao Sistema Internacional de Unidades – SI e à ciência moderna!  Nada como ter liberdade de pensamento!

Dia do Metrologista: 26 de junho

21 de junho de 2011

metrol-rupestre

Embora pouca gente conheça a profissão de Metrologista e acabe por confundi-la com meteorologista (aquele que faz previsão do tempo) ou com os funcionários do Metrô, o fato é que Metrologista talvez seja a mais antiga das profissões. Sim, sei que há controvérsias… Sei que outras categorias profissionais reivindicam esse título, e algumas até têm o voto popular. Apesar disso, pretendo demonstrar que a atividade metrológica é muito antiga e remonta os primórdios das sociedades humanas.

O nome metrologista provém, naturalmente, de metrologia, a ciência das medições. Metrologia, por sua vez, deriva de metro. Metro, como todos sabem, é palavra grega que significa medir. A palavra metrologista, contudo, é relativamente recente. Antes dela os profissionais da medição eram chamados de almotacé, palavra de origem árabe.

E antes de almotacé? Bom, vá saber que nome se dava aos metrologistas anteriores à época dos almotacés. Talvez nem tivessem um nome em particular. Porém, com absoluta certeza, tinha gente medindo uma porção de coisas.

Podemos começar regredindo até as pirâmides. Cada uma das grandes pirâmides do Egito é um monumento à metrologia e aos inacreditáveis metrologistas egípcios. Mas mesmo antes dessas maravilhas da antiguidade, metrologistas ainda mais recuados no tempo usavam seus conhecimentos na mesopotâmia para demarcar terras, construir canais, calcular a produção agrícola e até inventar a astronomia. E antes deles certamente houve quem tenha medido o comprimento dos barcos, o peso das lanças, o número de cabeças de gado…

Na verdade, são bem poucas as atividades produtivas (se é que existe alguma) que  prescindam da metrologia e, portanto, do metrologista. Por isso, acho que o metrologista deveria figurar nas mais antigas representações artísticas, como nas pinturas rupestres, por exemplo. Pesquisei, mas não encontrei nenhum metrologista pintado nas carvernas de Altamira. Então, tomei a liberdade de corrigir essa pequena lacuna histórica.

Aos metrologistas daqui, dali, de acolá, de ontem, de hoje, de agora e de todos os tempos ofereço, como homenagem, a figura acima. Parabéns, colegas!

O Primeiro mês

3 de janeiro de 2011

Jano

Estamos em janeiro! O nome deste mês vem do latim “mens januario”, que significa mês de Janus, ou Jano. O deus Jano era representado com duas faces, uma voltada para o passado e outra voltada para o futuro, e era vinculado a Saturno, o deus romano do tempo (Cronos para os gregos).

Jano marca, justamente, o instante entre o antigo e o novo. Esse instante que nós poderíamos considerar “o presente”, não é representado. O presente é o momento fugaz, inapreensível.  Isso quer dizer que os antigos romanos consideravam o tempo como um continuum que flui do passado para o futuro.

Nós concebemos o tempo exatamente da mesma maneira. É claro que os físicos têm concepções diferentes sobre o tempo, sobretudo quando lidam com os fenômenos astronômicos ou subatômicos. Nossas percepções, entretanto, não são afetadas diretamente pelo que acontece no universo espaço-temporal da teoria da relatividade ou da mecânica quântica. Nós lidamos com o tempo do dia a dia, e também do minuto a minuto, da hora a hora, do mês a mês, do ano a ano…

Ou seja, as medições de tempo que fazemos no prosaico mundo das coisas “do nosso tamanho” nos são mais importantes. Mas existe um paradoxo: Embora o tempo seja um fluxo constante para nós, quando o medimos nós fixamos, ou pelo menos marcamos um determinado instante. A famosa “passagem de ano” comemorada no revellion é uma contagem regressiva de segundos que, ao chegar ao zero, estabelece uma fração infinitesimal e simbólica de tempo: O fim de um ano e começo do outro. Aqui nos interessa o simbolismo, e não necessariamente o instante exato em que o planeta reinicia um novo período de translação. Há muito de simbólico nas medições, e há muita metrologia nos ritos simbólicos. Jano que o diga!

Hoje é o dia da Filosofia! Quem diria!

18 de novembro de 2010

Dizem que foram os gregos os inventores da filosofia. Sem dúvida foram eles quem inventaram a palavra, que significa “amizade pelo saber”. Os filósofos são, portanto, os amigos do conhecimento. Entretanto, na antiga Grécia, houve época em que conviveram dois grupos relativamente distintos de pensadores.

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Para não perder o ritmo…metrônomo

1 de novembro de 2010

Não sendo propriamente um instrumento musical, o metrônomo é aquele aparelho que faz tic-tac num ritmo predeterminado. Ele é muito útil para quem está compondo, ou tirando uma música a partir de uma partitura.

Breve história do metrônomo

Em 1581, Galileu descobriu que um pêndulo sempre balançava na mesma velocidade, não importando seu tamanho. Essa descoberta foi vital para a invenção do relógio de pêndulo, por volta de final do século XVII. O desafio era desenvolver um mecanismo que fizesse com que o pêndulo não parasse, mas continuasse sempre no mesmo ritmo. Era o princípio da marcação de tempo em intervalos iguais. Até então, as primeiras tentativas de metrônomo eram objetos que, à medida que perdiam o impulso, contavam mais devagar. (more…)

Por que os sumérios contavam com base no doze?

26 de agosto de 2010

Escrita cuneiforme desenvolvidada pelos sumérios gravada numa escultura do século XXII a.C. (, Paris)

Medir é definir, numericamente, uma quantidade. Desde que tenhamos a unidade de medir definida, basta contar quantas dessas unidades são necessárias para medir o que desejamos. Por exemplo, podemos usar o metro para medir o comprimento uma peça de tecido. Digamos que, após comparar o metro com a peça, descobrimos que ela tem 8,5 metros, o que significa que contamos o metro oito vezes e meia. Portanto, o sistema de contagem que usamos é muito importante para determinar as medições.

 

Hoje usamos o sistema de contagem decimal, e o próprio Sistema Internacional de Unidades tem base decimal. Mas nem sempre foi assim, e ainda hoje existem grandezas que são contadas em base duodecimal (base 12). A medição de tempo é um bom exemplo.  O dia tem vinte e quatro horas, e cada hora tem 60 minutos ou 3600 segundos. Não é difícil perceber que a base de contagem é o doze e não o dez. Mas porque será que é assim?

 

Tudo indica que o sistema duodecimal começou lá na antiguidade, com os sumérios. Se os sumérios tinham dez dedos como todo mundo, porque não contavam as coisas com base no número dez, como fazemos hoje? É que eles tinham um jeito peculiar de contar. Quando contavam, eles moviam o polegar da mão direita sobre as falanges dos outros quatro dedos. Cada dedo tem três falanges, então era possível contar até doze em uma mão. Já a mão esquerda era usada para contar quantas mãos direitas tinham sido completadas na contagem. Cinco dedos da mão esquerda vezes doze falanges da mão direita, e temos o número sessenta, até hoje usado como base de contagem para medidas de arcos e ângulos, além de tempo!

 É claro que existem explicações mais pragmáticas, como o fato de o número sessenta ser divisível por um, dois, três, quatro, cinco e seis, o que facilitava os cálculos. Além disso, o ano solar tem doze ciclos lunares. Seja como for, essa antiga herança dos sumérios permanece até os nossos dias nas contagens comerciais, e sempre que comprarmos uma dúzia de qualquer coisa nos lembraremos deles.